Lavoura arcaica… arte na sua pura forma

  • Post publicado:18/05/2017
Lavoura arcaica… arte na sua pura forma, De Olho no Texto

Ahhh, a literatura…tudo é possível…até o que não é…Obras como Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, desconstroem toda a noção de pontuação e de construção de parágrafos.  É um texto em prosa com ares de versos – é poesia em prosa. Uma obra contemporânea que tira o leitor da sua zona de conforto. Espera-se por um ponto final, uma mudança de parágrafo, porém em vão – é fruição pura. Não há parágrafos. Não há pontos finais, a não ser em trocas de capítulos e em pequenas passagens em que o autor traz a fala direta de uma personagem. Qual o efeito disso? O leitor não tem descanso. Não dá para respirar. Começa-se o livro e quando o leitor se dá conta, páginas e páginas foram transpostas. É uma narrativa que provoca o leitor do início ao fim por estar carregada de elementos significativos para construção de sentidos.

Na modorra das tardes vazias na fazenda, era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho; não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu sono adolescente? que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera?(meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo).  (NASSAR, 1989, p. 13-14).

Obras como essa, por seu efeito poético, são repletas de expressões carregadas de sentido, com as quais leitores experientes e leitores em formação precisam abraçar. É arte na sua pura forma. O jogo das palavras em Lavoura Arcaica mexe com os sentidos do leitor, por ser um texto construído por “metáforas sensíveis” (TARDIVO; GUIMARÃES, 2010, p. 241), ao exemplo de “o peso da cadeira vazia” (NASSAR, 1989, p. 25) – frase que o autor utiliza para demonstrar a falta do filho que se foi -; “o pai trancado em seu silêncio” (NASSAR, 1989, p. 26) – para evidenciar o diálogo inexistente em torno da partida do filho. É puro deleite!

Este texto é um excerto de minha dissertação de Mestrado – “Entre um texto e outro, o leitor em formação”.

Referências

NASSAR, R. Lavoura Arcaica. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

TARDIVO, R. C.; GUIMARÃES, D. S. Articulações entre o sensível e a linguagem em Lavoura arcaica. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 20, n. 46, p. 239-248, maio/ago. 2010.

Imagem: Disponível em: www.museuoscarniemeyer.org.br/content/exposicoes/121/4.jpg. Acesso em: 18 maio 2017.

SalvarSalvar

Este post tem 2 comentários

Deixe um comentário